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Cresce violência contra médicos

Violência fere, assusta e mata

“Apenas” trabalhar em paz. É o que desejam os médicos brasileiros. Violência se espalha e precisa ser energicamente combatida. Oftalmologistas sofrem também com assaltos constantes

Manhã de 29 de maio de 2007. O médico José Rodrigues de Souza trabalhava no posto do INSS de Patrocínio, cidade de Minas Gerais. Às 10h30 um homem invade sua sala e atira três vezes. O terceiro disparo acerta a cabeça do médico. Um guarda da agência imobiliza o criminoso, que portava um pedaço de ferro pontiagudo escondido na barra da calça. A vítima é socorrida em estado gravíssimo. No início da noite não resiste e morre.

Oito meses antes: setembro de 2006. A médica Daniela Lima, 31 anos, após ser aprovada em concurso público e passar por cursos de capacitação e treinamento na área de perícia, começa a trabalhar num posto em Sorocaba (SP). No segundo mês de atividade é surpreendida ao entregar resultado de uma perícia nas mãos de um segurado. O requerente – que recebia o benefício havia alguns anos, e cujos períodos estavam cada vez mais curtos – não aceitou o fato de não ter sido constatada incapacidade para o trabalho. Em acesso de fúria, o homem começou a destruir o consultório, quebrou a impressora, jogou o computador no chão, deixando a médica encurralada atrás da mesa. Por sorte (?) não foi atingida. “Estava extremamente insegura, me sentia pressionada, não sabia o que fazer. Passei uma semana exercendo outra atividade, mas precisava voltar e enfrentar. O tempo ajudou a recuperar a confiança”.

Em outro lamentável e humilhante momento, a médica viu seu professor e colega de trabalho ser agredido. O médico, de 64 anos e mais de 30 anos de experiência, foi esmurrado e caiu no chão. “É epidêmico. Desacato e ameaças fazem parte da nossa rotina”, denuncia a perita. Para Daniela Lima, o desemprego pode ser uma das facetas da violência contra o médico. “Muitos querem se mostrar doentes para receber o benefício. Em sentido contrário, está havendo maior rigor nas perícias. Se não há incapacidade não há benefício”.

Os casos chocam, evidenciando uma realidade, vivida pelos médicos, normalmente desconhecida. Violência cometida por pessoas que tiveram o benefício negado pelo INSS, e não pelo médico. Não é o médico quem escolhe – como se fosse um jogo – quem vai ou não receber. O perito segue as regras estabelecidas pela Previdência Social.

No Brasil há 1400 postos de atendimento do INSS e cerca de 4 mil e 800 médicos peritos. No ano passado, aproximadamente 700 mil perícias foram realizadas no País. Segundo a Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP), somente em 2007 foram registradas, na Polícia Federal, 91 agressões e/ou ameaças contra médicos peritos e uma morte. Pesquisa da ANMP feita no ano passado mostra que dos 500 médicos que responderam às perguntas, cerca de 90% deles já haviam sofrido algum tipo de agressão física, verbal ou ameaça.

Saúde indefesa

Os peritos não são as únicas vítimas. A insegurança ronda muitos profissionais que zelam pela vida, mas têm a própria existência ameaçada. Uma onda de violência – crescente – parece querer dominar ou impedir o pleno exercício da medicina. Lamentavelmente, o assunto tem sido recorrente na revista DR!. Esta é a quinta edição da revista na qual a violência é o tema de capa, além de outras vezes aparecer em matérias em outras seções.

No período de dez meses (setembro 2006 a julho 2007), ao menos três assassinatos de médicos. Além de José Rodrigues de Souza, a chefe do serviço de perícia do INSS em Governador Valadares (MG), Maria Cristina Souza Felipe da Silva, foi assassinada com quatro tiros, na porta de sua casa. Em julho passado, o perito Milson Sousa Brige foi condenado a 16 anos de prisão, acusado de ser o mentor intelectual do crime. O Ministério Público concluiu que a morte foi encomendada porque a médica investigava esquema de fraudes na cidade, comandado por Milson.

No dia 27 de julho, o pediatra Amauri Vicente dos Santos foi encontrado morto, após levar várias facadas, no estacionamento do Hospital Paranaguá, em Ermelino Matarazzo (SP). Não há pistas do que aconteceu.

Em março, na cidade de Santos, o perito Gustavo Almeida, de 31 anos, foi esfaqueado na perna pela autônoma Ana Cristina do Nascimento. O motivo? A negativa do pedido de benefício. Três meses depois, na região do ABC, a perita Márcia Silva Santos tomou socos, sofrendo descolamento da retina. A agressão foi praticada pela operadora de telemarketing Eudete Vilas Boas, 39 anos, após receber alta da médica.

Pesquisa realizada pelo Simesp constata índices alarmantes de violência. Na atualização feita em 2002, da pesquisa “(In) Segurança dos Médicos: violência e suas conseqüências em estabelecimentos de saúde de São Paulo”, publicada originalmente em 2000, há assustador crescimento nos casos de seqüestros-relâmpagos. Subiram de 5,26% para 24,14%, aumento de 358,94%. No estudo, 41% dos entrevistados já haviam sofrido algum tipo de violência (física ou verbal) no ambiente de trabalho.

Médicos reúnem-se com ministro

Em meio à gravidade e à urgência da situação, as entidades médicas buscam formas de equacionar ou minimizar problemas na Previdência. A qualificação dos peritos e melhorar o relacionamento com os segurados são prioridade.

Uma das propostas é o estabelecimento de convênios com as superintendências regionais do INSS para a viabilização de cursos de educação continuada.

A proposta foi avaliada durante reunião com o ministro da Previdência Social, Luiz Marinho, no dia 19 de julho. O ministro recebeu representantes da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Sindicato dos Médicos de São Paulo, Conselho Regional de Medicina, Associação Paulista de Medicina e Sindicato dos Médicos do Distrito Federal. Foram avaliadas as condições de trabalho nos postos, falta de segurança, dificuldades e qualidade do serviço.

O ministro citou pesquisa realizada pelo Ministério da Previdência Social, que mostra “imagem péssima do perito, havendo relatos dramáticos dos segurados”. O ministro propôs a criação de uma câmara de assistência às perícias do INSS para discutir soluções, afirmou ser “bem-vinda” a presença das entidades médicas, e defendeu a instalação de detector de metais nas agências. Para o ministro, “o credenciamento dos peritos no passado fez parte de uma proposta de privatização da previdência social, comprometendo propósitos sociais do sistema previdenciário público”.

Eduardo Santana, presidente da Fenam, enfatizou que o encontro com o ministro representa sólido passo no enfrentamento das questões. “A Fenam e seus sindicatos manifestam apoio aos peritos, e estão à disposição para debater e lutar juntos a fim de ser definitivamente extinto o perigo que tem rondado o exercício da atividade profissional”.

Outra proposta é o desenvolvimento de campanha de esclarecimento e advertência aos segurados. “É importante explicar que os agentes do Estado estão cumprindo deveres profissionais e devem ser respeitados. Qualquer forma de agressão é considerada crime”, alertou Eduardo Santana.

Peritos exigem providências

Revoltados e inseguros com a ocorrência de violência no local de trabalho, os peritos pedem ajuda, querem ser ouvidos. O grito de socorro foi dado em reunião na sede do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, na noite de 25 de julho.

Participaram Cid Carvalhaes (Simesp), Henrique Carlos (Cremesp), Jarbas Simas (Simesp e APM), Elisete Berchiol da Silva Iwai (gerente regional do INSS-SP), Hermes Arrais Alencar (procurador do INSS) e Antonio Carlos Benedetto (ANMP). O presidente do Simesp relatou o encontro com o ministro da Previdência.

Elisete Iwai afirmou que mantinha-se em contato permanente com o Ministério da Previdência. Convocou os médicos a participarem da luta: “Temos muito a fazer, mas me sinto impotente para resolver isoladamente as questões de trabalho. Precisamos da participação de todos”. Segundo a gerente do INSS, há compromisso do INSS de São Paulo em dar andamento aos cursos de educação continuada.

A proposta é defendida pelo Cremesp. Segundo Henrique Carlos, a educação continuada é uma das prioridades do Conselho, e deverá ser ampliada para todas as regiões do Estado nos próximos 15 meses (leia mais sobre o assunto na seção Páginas Verdes desta edição).

O diretor do Simesp, Aizenaque Grimaldi, destaca a importância de os cursos serem no horário de trabalho. “Sem dúvida, somos a favor da qualificação, mas o médico não pode comprometer seu descanso nos fins de semana. A educação continuada deve ser praticada dentro da jornada de trabalho”.

Antônio Carlos di Benedetto, enfatiza que os peritos que trabalham na ponta sofrem com ofensas e jornadas exaustivas: “É fundamental a abertura de canal direto com a superintendência da Previdência para a discussão dos problemas enfrentados pelos peritos. Nosso propósito é reconstruir a Previdência, o maior patrimônio do trabalhador, do empregador e do governo”.

Sensibilização dos trabalhadores

Conselheiro do Cremesp e diretor do Simesp, Eurípedes Balsanufo Carvalho assinala que a amplitude do problema pede a sensibilização de outras categorias de trabalhadores. “As centrais sindicais devem ser envolvidas, esclarecendo os trabalhadores sobre o trabalho do médico perito”.

Segundo Hermes Arrais Alencar, procurador regional federal da procuradoria do INSS, a elevação abrupta de agressões se deve ao aumento da quantidade de requerimentos de benefícios por incapacidades e, conseqüentemente, dos indeferimentos. “O não ao benefício virou agressão, revelando um Estado vulnerável, o que é inadmissível! Se agredido, deve o médico processar o agressor na esfera cível e penal. No cível para reparação do dano material causado (afastamento do trabalho, despesas médicas, etc) e do dano moral sofrido. No âmbito penal deve ser feita, sempre, a notícia-crime à delegacia. É difícil, sabemos das parcas condições financeiras do segurado, mas a condenação desses agressores provocará maior reflexão em toda sociedade, gerando efeito preventivo. O segurado precisa saber que agredir funcionário público além de ser processado criminalmente, correrá o risco de ser julgado e condenado a indenizar a vítima, pois praticou crime”.

A gerente do INSS, Elisete Iwai, concorda com o rompimento do silêncio e acrescenta: “O gerente do posto deve encaminhar a notícia-crime junto com um ofício do INSS. Deve ficar registrado que, além do servidor, a instituição também foi agredida”.

Além disso, segundo Elisete Iwai, visitas surpresas estão sendo realizadas nos postos do INSS. Pelo ministro, assessores e ela mesma. “Deparamo-nos com surpresas boas e ruins. No balcão há funcionários que orientam bem e, infelizmente, aqueles que querem se livrar. Igualmente os médicos”. A regional do INSS tem buscado ajuda em diversos setores, como Polícia Federal e Civil, a Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo e o próprio Ministério da Previdência Social.

Oftalmologistas assustados com roubos

Os oftalmologistas de São Paulo estão assustados com a onda de assaltos a consultórios. Segundo reportagem do jornal Diário de S. Paulo, publicada dia 5 de agosto, levantamento parcial, feito pelas próprias vítimas, constatou que pelo menos 42 profissionais tiveram o consultório invadido desde o final do ano passado. Os prejuízos podem superar R$ 5 milhões.

Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.
Reportagem publicada na Revista Dr. do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp).
Textos: Ivone Silva, da assessoria de imprensa do Simesp.
http://www.simesp.org.br/

Conflitos entre médicos peritos e beneficiários da Previdência Social
José Erivalder Guimarães de Oliveira (*)

Os recentes acontecimentos envolvendo os médicos peritos do INSS, culminando com duas mortes de médicos e inúmeras agressões, nos levam a refletir sobre a situação. Quais os responsáveis por esse conflito? Alguns tenderiam a apontar os médicos peritos como “culpados”, outros os usuários do sistema de Previdência.

A função do perito médico é avaliar os laudos do médico assistencialista e conceder os benefícios, aos quais o trabalhador tem direito por lei, quando não pode trabalhar por motivos de saúde. Essa atividade é regulada por leis e decretos. O novo sistema de concessão de beneficio, desenvolvido e controlado pela Dataprev tem dificultado a relação médico/periciando, que é pessoal e intransferível. A sociedade regulamenta a atividade médica por meio de seus Conselhos Regionais, que outorgam ao médico autoridade plena. A burocracia criada por leigos do INSS, única e exclusivamente para reduzir custo no setor, interfere diretamente nesta relação. A cessação de benefício é programada, e caso o beneficiário não concorde, pode requerer, a partir de agosto de 2006, Pedido de Prorrogação (PP). Esse novo sistema tem gerado muitos conflitos, em particular naqueles beneficiários portadores de doença mental e crônico-degenerativa.

A Previdência Social brasileira tem 20 milhões de benefícios pagos, cuja dimensão de gasto atinge R$ 75 bilhões e 300 milhões (6,34% do PIB), ajudando direta ou indiretamente a 70 milhões de pessoas. De acordo com Vinícius Carvalho Pinheiro, em seu artigo Balanço da Reforma da Previdência Social no Brasil (1998-2001), publicado no site www.mre.gov.br, “essas dimensões colocam a Previdência como um dos pilares da estabilidade social do país. As transferências de recursos têm impactos significativos sobre o alívio à pobreza, principalmente nas áreas rurais, além de se constituir forte condicionante do dinamismo econômico e da estabilidade social de microrregiões e de pequenos municípios”. Essa situação propicia melhor distribuição de renda e redução do grau de pobreza no Brasil.

A proposta de concessão de benefício, com regulamentos rígidos, dificulta a relação médico/periciando. Muitos médicos peritos afirmam que são obrigados pelo sistema (informática) a dar alta ao periciando. A dualidade da situação está na problemática paciente/perito/médico assistencialista. Esse triângulo tem levado a conflitos cuja gênese tem íntima relação com a reforma da Previdência que vem sendo implementada, inclusive por meio de ordem de serviço.

É necessário que os médicos peritos, os sindicatos de trabalhadores, usuários da Previdência Social e médico assistente tenham a dimensão que todos são vitimas de um processo de reforma que não tem a perspectiva de promoção de inclusão social. O olhar sob esse ponto de vista joga na lata do lixo a visão simplista e preconceituosa que os grandes vilões são o médico perito ou o beneficiário do sistema.

Médico especialista em Medicina do Trabalho, ergonomista e perito judicial.
Secretário geral da Federação Nacional dos Médicos, foi presidente do Simesp de 1996 a 2005.