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EMENTA: O direito ao acesso ao leito obstétrico para todas as parturientes está inscrito na Constituição Brasileira e na Legislação do Sistema Único de Saúde, portanto a falta de vagas para parturientes em maternidades, públicas ou privadas, fere os Direitos Humanos, e mais especificamente os Reprodutivos. As urgências e emergências obstétricas podem ocorrer nas três fases do ciclo grávido puerperal (pré-parto, parto e puerpério) e podem adquirir intensidade e gravidade prognóstica que exigem diagnóstico rápido e pronta assistência, para o que se faz obrigatória equipe completa de especialistas, composta minimamente por dois obstetras (ou um obstetra e um médico com capacidade de auxiliá-lo, em necessidades cirúrgicas), um pediatra exclusivo para a sala de parto e anestesiologista, todos em regime de plantão presencial, para a assistência ao binômio materno-neonatal em caráter de urgência. Quando diante da falta de leito de internação, o médico pode suspender atendimentos eletivos; todavia, em casos de urgência e emergência, o atendimento torna-se imperativo e, caso não o faça, poderá ser caracterizada omissão de socorro.

CONSULTA: É ético um hospital recusar internação de uma paciente em franco trabalho de parto porque todos os leitos estão ocupados ou previamente reservados para cesarianas eletivas?

FUNDAMENTAÇÃO:

De antemão parabenizo a iniciativa das subescreventes interessadas neste parecer, dentre as quais poderia figurar igualmente o nome desta parecerista, ora subescrevente deste relatório, também vítima por algumas vezes dos percalços da falta de vagas e de equipe complementar disponíveis para a assistência ao parto normal em maternidades privadas.

Diante das considerações das consulentes temos a aduzir:

O aumento da frequência da cesárea é um fenômeno comum a quase todos os países do mundo, mas em nenhum país a curva de aumento foi tão acentuada nem as taxas alcançam níveis tão altos como no Brasil, comoem regiões inteiras acima de 70%.

Estratégias amplas e heterogêneas, governamentais e não governamentais, têm contribuído para estabilizar ou reduzir as taxas antes ascendentes, nos serviços do SUS e em seus conveniados, ao contrário da realidade dos serviços privados, onde estas taxas continuaram a aumentar.

E não há que se negar que a incidência de cesáreas tem aumentado, alarmando os amantes da arte obstétrica – partos vaginais – em parte, pelo fato da cesárea ter atingido as culminâncias do seu aperfeiçoamento técnico. Seus riscos amenizam-se periodicamente face ao melhor conhecimento da técnica, antibioticoterapia, hemoterapia e controle de infecção hospitalar.

Indubitável também é que na prática, no Brasil, temos o convívio de dois modelos de assistência ao parto. Para as mulheres do SUS o modelo mais prevalente é o parto vaginal sem o recurso à peridural, e eventualmente a cesárea, indicada principalmente por alguma distocia; enquanto nos serviços conveniados ou particulares, em que as mulheres podem negociar ou pagam, os modelos mais prevalentes são o da cesárea (eletiva, negociada no pré-natal, ou indicada com menos ou mais critério no decorrer do parto) e, na minoria dos casos, o parto vaginal com a peridural.

Estas taxas crescentes de cesáreas, muitas delas, se não a maioria, eletiva, compromete a disponibilidade de leitos hospitalares, por falta absoluta de leitos ou porque os leitos de assistência ao parto estão condicionados à disponibilidade de vagas na UTI neonatal, o que implica em haver eventualmente leitos obstétricos ociosos, porém indisponíveis, o que leva à “peregrinação das parturientes por leito”, com graves consequências sobre a saúde das mulheres e dos bebês.

Todavia, cabe a reflexão, quanto ao direito e autonomia das gestantes que optaram pelas cesáreas eletivas, e o direito e autonomia do médico obstetra que assume a responsabilidade por seus atos profissionais, o que inclui a indicação das cesáreas, ainda que sejam, em sua essência, “a pedido” da paciente. A “cesárea a pedido”, motivada pela pressão do paciente e de seus familiares, acrescido da “banalização das queixas contra profissionais e da judicialização do exercício profissional”, contribuem para o aumento significativo dos índices deste ato.

A princípio, seria uma impropriedade ética a imposição de percentuais (tetos) de cesáreas, e poder-se-ia contra-argumentar, aqueles que defendem estas cifras elevadas de cesarianas que o paciente tem sua autonomia, e no caso da “cesárea a pedido”, a mesma deve ser respeitada, como rege os princípios da bioética (autonomia, beneficência e não maleficência). Tudo isto se caracterizaria numa limitação imposta a procedimentos e técnicas em medicina, configurando violação também da autonomia do médico, prevista nos

Art. VII e XVI do capítulo I – Princípios Fundamentais do Código de Ética Médica (CEM), a saber:

Art. VII do capítulo I – Princípios Fundamentais. O médico não pode, em qualquer circunstância, ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho.

Art. XVI do capítulo I Princípios Fundamentais. Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente.

Aduz-se a estas fundamentações, o Parecer CRM-PR No. 1492/2003: “1 – o médico, ao indicar e/ou realizar a cesariana, tem sua indicação absolutamente clínica. As indicações sem respaldo médico podem ser interpretadas como cirurgia desnecessária e, como tal, merecedora de reparos éticos conforme prevê o Código de Ética Médica. É importante salientar que a decisão do Ministério da Saúde não está amparada em termos numéricos quanto ao índice ideal para cesarianas e não responde por amparo ético. É decisão meramente administrativa. 2 – Desde que as decisões quanto à indicação sejam embasadas em protocolos da Sociedade de Especialidade, devidamente conhecidas pelo corpo de obstetras do hospital, não há porque afastar o obstetra do corpo clínico. É importante salientar que indicações dentro de um sistema de plantão poder-se-ia ouvir uma segunda opinião. É racional que para o bom exercício da especialidade se tenha um partograma bem elaborado. É a grande arma de defesa do bom exercício da obstetrícia. Não se pode olvidar de que diante da grande pressão exercida pelos familiares, as indicações de cesariana têm crescido naturalmente em todo o mundo. Fica claro que a direção clínica não tem autoridade para afastar o colega motivado por índices aumentados de cesarianas”.

Não se pode admitir, entretanto, que a conveniência médica possa ser levada em consideração como fator de indicação médica, caracterizando uma relação de poder do médico sobre a paciente, tolhendo-lhe qualquer eventual desejo de tentar um parto normal. E evidentemente, não se podem aceitar índices de 80% como valores de normalidade, superiores aos preconizados pelo Ministério da Saúde para maternidades de alto risco (40%). Estas cifras dão margem a conjecturas de práticas consideradas antiéticas com risco cirúrgico desnecessário, indicação abusiva de procedimentos e motivação fútil, às quais o médico está sujeito a responder junto aos Conselhos Regionais e Federal de Medicina por infração aos seguintes artigos do CEM:

Art. 1º. Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

Art. 14. Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País.

Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.

Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.

Art. 35. Exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos. O direito ao acesso ao leito obstétrico para todas as parturientes está inscrito na Constituição Brasileira e na Legislação do Sistema Único de Saúde, que definem saúde como direito de todos e dever do Estado. Está também inscrito nos instrumentos de direitos humanos, entre os direitos relacionados à vida, à liberdade e à segurança da pessoa; os relacionados ao cuidado com a saúde e aos benefícios do progresso da ciência incluindo o direito à informação e educação em saúde, e os relacionados à equidade e a não discriminação.

Portanto a falta de vagas para parturientes em maternidades, públicas ou privadas, fere os Direitos Humanos, e mais especificamente os Reprodutivos.

E quanto à assistência à parturiente se tem as seguintes legislações:

Resolução 1451/95, do Conselho Federal de Medicina (CFM), que define por Urgência a ocorrência de agravo à saúde com ou sem risco de vida cujo portador necessita de assistência médica imediata e por Emergência a constatação médica de condições de agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, tratamento imediato. As urgências obstétricas podem ocorrer nas três fases do ciclo grávido puerperal. Embora muitas delas sejam peculiares à gestação, ao parto e / ou ao puerpério, algumas, entretanto, podem ocorrer em mais de uma dessas fases, como a eclampsia, por exemplo.

Parecer CREMEC Nº 16/2007 estabelece que a gestante que já está em trabalho de parto pode ser considerada caso de emergência, uma vez que intercorrências podem ocorrer e assumem caráter de urgência cujas manifestações adquirem intensidade e gravidade prognóstica que exigem diagnóstico rápido e pronta assistência.

Para tal, remontam de 1993, 2000 e 2008, respectivamente, as Portarias SAS/MS nº 31, n.º 569/GM e a Resolução ANVISA/DC nº 36, e mais recentemente o Parecer CFM nº 7/11, que estabelecem a obrigatoriedade de equipe completa de especialistas, o que se entende, ser composta minimamente por dois obstetras (ou um obstetra e um médico com capacidade de auxiliá-lo, em necessidades cirúrgicas), um pediatra exclusivo para a sala de parto e anestesiologista, todos em regime de plantão presencial, para a assistência ao binômio materno-neonatal em caráter de urgência.

Quando diante da falta de leito de internação, o Parecer CREMEB 11/06 refere-se aos procedimentos a serem adotados pela Unidade Hospitalar e dispõe: “Na circunstância de falta de leitos para internamento na unidade hospitalar, o médico pode proceder a suspensão dos atendimentos; todavia em casos de urgência e emergência, o atendimento torna-se imperativo e, caso não o faça, poderá ser caracterizado omissão de socorro”.

Observa-se, portanto que não se pode “engessar” um percentual fixo de cesáreas para os hospitais quer público quer privado, mas, o médico que a indica deve se responsabilizar pelos seus atos e, se frequentemente forem constatados números além dos toleráveis, que venham a prejudicar uma adequada assistência às parturientes, por falta de vagas e ainda de equipe completa para assistência ao binômio materno-neonatal, de forma reiterada, pode o Diretor Médico da Instituição, vir a ser, igualmente envolvido em Processos Éticos, por infração aos seguintes Art. do CEM:

Art. 18. Desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.

Art. 19. Deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função de direção, os direitos dos médicos e as demais condições adequadas para o desempenho ético-profissional da Medicina.

Art. 21. “Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação vigente”.

Art. 33. “Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em caso de urgência ou emergência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo”.

Conclui-se, com o exposto, que em obstetrícia, diante das condições de urgência e emergência, sempre muito frequentes, as condições de judicialização do exercício médico e a banalização dos processos contra hospitais e médicos, este Conselho reafirma, diligentemente, o seu compromisso de defender melhores condições de trabalho para os médicos pernambucanos, exigindo dos hospitais e maternidades que componham suas equipes de cirurgia satisfatoriamente, dotando-as de condições que permitam uma melhora na qualidade do ato médico praticado e através de esforços conjuntos com sociedades científicas, sociedades civis, diretores das maternidades privadas e sindicato dos médicos, vem organizando o atendimento obstétrico privado e na saúde suplementar, através de normas claras para a composição de plantões nas maternidades privadas, e normatização quanto à cobrança por disponibilidade para assistência ao parto de pacientes na saúde suplementar, com o intuito de se atingir melhores resultados obstétricos e neonatais”.

E em curto prazo, prioritariamente, deve-se estabelecer uma solução para a falta constante de vagas para parturientes nos estabelecimentos de saúde da rede suplementar, pois, por todo o exposto, defende esta Conselheira que não ético um Hospital recusar internação de uma paciente em franco trabalho de parto porque todos os leitos estão ocupados ou previamente reservados para cesarianas eletivas.

É o parecer, SMJ.

Recife, 15 de janeiro de 2013.

Maria Luiza Bezerra Menezes
Consª Parecerista