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Pesquisa fala sobre dependência química em médicos

Sessenta e quatro médicos foram ouvidos em trabalho feito pelo psiquiatra José Francisco

O médico não é um semideus. Ele é um ser humano que enfrenta as maiores sobrecargas emocionais nas equipes de saúde. Ele trabalha em prol da vida e sofre com a dor do doente e, mais ainda, quando depois de todo seu esforço profissional, ver seu paciente morrer. Outro problema é que a maioria dos médicos tem um número de horas bem maior de que outras profissões, excesso de plantões e férias reduzidas. Além disso, têm a sua autonomia profissional com limitações, diante da participação dos planos e seguros de saúde, no atendimento aos seus pacientes.

Todas essas afirmações acima foram comprovadas pelo psiquiatra José Francisco de Albuquerque, 51 anos, durante a primeira pesquisa realizada, no Recife, em 64 médicos dependentes químicos, que estavam em tratamento psiquiátrico, de 1989 a 2003. Ele identificou a existência de médicos dependentes em álcool, morfina, maconha, cocaína e analgésicos. Um detalhe importante é que a maioria é do sexo masculino e o álcool é a substância mais utilizada por todos. Outro fato importante é que a Clínica Médica, provavelmente por englobar todas as especialidades clínicas, foi onde se constatou mais dependentes químicos. Entre as mulheres médicas, o maior número de casos foi observado entre as anestesistas, utilizando morfina.

Professor adjunto de Psquiatria da UFPE, e psiquiatra do Núcleo de Dependência Química do Hospital das Clínicas da UFPE com mais de 22 anos atuando nessa área, José Francisco disse que enfrentou alguns problemas para fazer a pesquisa. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, do Centro de Ciências da Saúde da UFPE, de acordo com a Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, em 12 de dezembro de 2003. “Elaborei esse projeto de pesquisa, para mestrado em neuropsiquiatria, com o título Médicos Dependentes Químicos: Características da Clientela Atendida por Psiquiatras na Cidade do Recife. Tentei fazer um trabalho que na medida do possível conseguisse entregar a todos psiquiatras da capital pernambucana, que tratam de médicos dependentes químicos, um questionário elaborado por mim para conhecer as características desses médicos, em tratamento. Mas não foi fácil. Só consegui identificar 64 casos. Muitos questionários não foram respondidos.”, disse o psiquiatra.

Na pesquisa, o psiquiatra identificou como uma situação preocupante e muito delicada a do médico dependente químico, que trabalha nos blocos cirúrgicos, porque ele tem acesso muito fácil às substâncias como, por exemplo, os derivados da morfina. “Outro problema é que a dependência química passa a repercurtir na prática profissional, pois ele sempre acha que pode fazer isso e continuar sendo médico, e muitas vezes trabalha sob efeito de drogas, crente que tem o controle da situação. Afinal, ele é medico”, afirma. Sobre essa questão, o psiquatra José Francisco informa que o Cremepe já recebeu denúncias sobre médicos com comportamento inadequado devido à dependência química. Entre os 64 médicos observados, 7% tiveram notificação no Cremepe.

O psiquiatra lembra que em todas profissões existem dependentes químicos, mas um médico com esse problema provoca uma situação mais grave. “Ele é responsável pela saúde da população. A responsabilidade é muito grande. Se ele falha é logo identificado”, adverte o professor.

Características – Uma das características dos médicos observadas pelo psiquiatra José Francisco é que a maioria é muito auto-suficiente. “O médico tem um sentimento de onipotência enorme. Ele acha que não adoece e ele próprio pode se tratar. Nunca procura ajuda dos colegas”, lembra José Francisco.

Na pesquisa ficou comprovado que um médico dependente químico só procura ajuda quando já está com mais de cinco anos com o problema e quando a situação é drástica na sua família. Ele não vai por conta própria. É a mulher ou os filhos que tomam iniciativa para ele se tratar. A pesquisa também mostrou que os médicos de 40 a 60 anos são as maiores vítimas do alcoolismo. Entre os médicos jovens entre 25 e 35 anos foi descoberto o uso de cocaína e maconha. O psiquiatra afirma que as manifestações das dependências de susbstâncias psicoativas na população médica apresentam semelhanças com o padrão encontrado nas pessoas dependentes em geral, possivelmente por estarem sujeitas aos mesmos fatores culturais. “Ele age errado como qualquer pessoa, mesmo tendo conhecimento científico sobre o problema”, adverte o pesquisador. O maior percentual de médicos observados na pesquisa usava álcool há mais de 20 anos e outras substâncias há mais de 10 anos. Alguns são dependentes desde o período em que eram estudantes de medicina.

O uso de substâncias psicoativas varia, significativamente, com a especialidade, predominando o álcool entre os cirurgiões e de opióides entre os anestesistas. A pesquisa também identificou na ginecologia-obstetrícia e psiquiatria um percentual acentuado de médicos dependentes químicos.

Recomendações – O professor José Francisco que, também, foi diretor-fundador do Centro Eulâmpio Cordeiro de Recuperação Humana, diz que, mesmo considerando os limites dessa pesquisa em relação à população estudada, os achados juntamente com as investigações anteriores, em países da Europa, principalmente na Espanha, e em outras cidades do Brasil, reforçam a necessidade de serem criadas estratégias de atenção à saúde dos médicos. “Há necessidade de ações dos setores competentes, visando um controle eficaz da circulação de derivados opióides e outras substâncias utilizadas, sobretudo em procedimentos anestésicos”, opina o médico.

O psiquiatra lembra que os limites metodológicos, evidenciados nessa pesquisa, sugerem a necessidade de continuar os estudos na área, com métodos que possam aprofundar o conhecimento da dependência química entre os médicos.

“Espero que esses resultados da minha pesquisa possam contribuir como subsídios para auxiliar nas reflexões sobre a pessoa do médico, sua saúde, a sua formação, a sua capacidade de trabalho, as condições de trabalho a que estão submetidos nas instituições de sáude e os possíveis motivos que os conduzem ao sofrimento psíquico e a perda da liberdade na condição de dependente de substâncias psicoativas. Implica, também, numa reflexão acerca da responsabilidade dos órgãos formadores, das sociedades de especialidade e dos órgãos de classe na saúde e bem-estar dos médicos no Estado de Pernambuco”, finalizou o psiquiatra.

Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.
Matéria publicada na Revista Movimento Médico Ano II – Nº 4 – Março / Abril / Maio 2005.
TEXTO: Elizabeth Porto, assessora de imprensa da Associação Médica de Pernambuco.