Escrito por José Hiran da Silva Gallo*
Cada parto é um momento único de celebração. Em seu ápice, acontece o encontro mágico da mulher com seu bebê, acalentado, gestado ao longo de meses, transformando-o em representação da continuidade da vida.
Pela sua relevância e impacto que gera em tantas existências – da gestante, do recém-nascido, de familiares e amigos – o parto deve ser visto e tratado com algo muito maior do que um simples procedimento médico. Por isso, algumas regras e critérios devem ser defendidos e implementados na rotina das maternidades para que o significado do parto seja ainda mais enaltecido.
Neste sentido, o papel dos gestores das unidades públicas e privadas, bem como dos planos de saúde, é fundamental. São eles que criarão o ambiente propício para que a gestante e os profissionais, especialmente os médicos, possam interagir de maneira harmônica e positiva.
Ressalte-se aqui a necessidade premente de oferta de leitos obstétricos em quantidade suficiente para atender a demanda, inclusive das beneficiárias de planos de saúde, que, não raras vezes, são obrigadas a recorrer à rede pública pela omissão das operadoras.
Além de leitos, ainda são necessários insumos, medicamentos, instalações adequadas e profissionais capacitados e qualificados para a realização de todas as fases do atendimento em obstetrícia. Sem isso, retira-se da mulher o seu direito à dignidade, relegando-a a condição desumana de cidadã de segunda categoria.
Outro aspecto importante é garantir à mulher o direito a um acompanhante de sua livre escolha em todas as etapas (pré-parto, parto e pós-parto imediato). Assim, aumenta-se sua segurança, dando-lhe maior suporte psicológico, para enfrentar todos os momentos até a chegada do bebê.
Sem o apoio físico e emocional daqueles que conhece, a gestante fica vulnerável e fragilizada. Ao longo da gestação, em especial dos momentos que antecedem o parto, esse suporte impede que as expectativas da mulher sucumbam diante de dúvidas e inseguranças, permitindo que o medo tome o comando do processo.
Sob o domínio desse sentimento negativo, as escolhas podem ser equivocadas, mesmo após esclarecimentos profissionais. Assim, a opção pela cesariana pode surgir como consequência indesejada em muitas situações. Cabe ao médico, desdobrar-se neste processo, para que a gestante esteja efetivamente informada e orientada sobre as implicações de um pedido deste porte.
O ideal é que logo no início da gestação, durante as primeiras consultas pré-natais, médico e paciente discutam de forma ampla, aprofundada e exaustiva sobre o parto normal e a cesariana. Neste diálogo, devem ser abordados riscos, benefícios e direitos individuais da paciente que não podem ser desconsiderados, como o de escolha da via de parto.
Esse é uma etapa fundamental para que exista o consentimento livre e esclarecido da paciente, que deve ser posteriormente materializado na forma de um documento, um termo, assinado também pelo médico. O texto reforçará as informações prestadas oralmente, enfatizando as vantagens e desvantagens potenciais de um procedimento como o parto cirúrgico (cesariana).
Uma vez esclarecida, a gestante deve externar a sua opção, aquilo que entende como sendo o melhor para sua saúde e do bebê, dividindo sua percepção com o médico. É o que chamo de “decisão dividida”. Mas caso não exista esta concordância, a mulher tem o direito de procurar outro profissional.
Por outro lado, ressalte-se também o direito do médico de alegar objeção de consciência e encaminhar a mulher para um colega, se não estiver de acordo com a opção tomada. Em todos os momentos, o profissional deve agir de forma transparente, assegurando indicações adequadas à luz das práticas cientificamente reconhecidas e com respeito a legislação vigente.
É, assim, na conformação deste espaço privilegiado de diálogo que se preserva a relação médico-paciente e se garante a saúde e o bem estar de gestantes e bebês e o exercício técnico e ético da Medicina.
* É diretor-tesoureiro e coordenador da Comissão de Ginecologia e Obstetrícia do Conselho Federal de Medicina (CFM).