Apessoa está exausta e só quer uma boa noite de sono mas, ao tentar dormir, tem um desejo incontrolável e urgente de mover as pernas. Esse é um pesadelo pelo qual até 15% da população mundial passa todos os dias. Vítimas da chamada síndrome das pernas irriequietas (SPI), elas sofrem com a falta de qualidade de vida e, de acordo comum estudo publicado no Journal of Sleep Research, estão em risco maior para problemas renais, acidente vascular cerebral (AVC) e infarto.
Movimentar os membros inferiores vigorosamente quando o corpo está relaxado não é propriamente uma doença, mas um conjunto de sintomas neurológicos sobre os quais pouco se conhece.
Ninguém sabe dizer as causas, e o tratamento é escasso. Ao avaliarumbanco de dados de mais de 3 milhões de veteranos das Forças Armadas dos Estados Unidos, pesquisadores americanos descobriram que o problema pode ser ainda mais grave do que parece.
Eles acharam uma forte associação entre a síndrome das pernas irrequietas e o risco de importantes doenças crônicas e de morte prematura, algo que já havia sido sugerido em trabalhos anteriores, mas com um número pequeno de participantes.
A nova, de acordo com os cientistas da Universidade do Tennessee, da Universidade da Califórnia e do Centro Médico de Veteranos de Memphis, é a mais forte evidência de que a SPI pode estar relacionada a condições de saúde que vão além da movimentação das pernas.
Do banco de dados sobre a saúde dos veteranos, os pesquisadores selecionaram 7,4 mil pessoas.
Metade havia recebido o diagnóstico da síndrome, enquanto os outros 50% não apresentavama condição. Para que a comparação fosse precisa, esses últimos tinham perfil clínico e demográfico semelhante ao dos primeiros. Ao longo de oito anos, todos foram acompanhados. Os pesquisadores buscavam, especificamente, novos casos de derrame, doença coronariana e doença crônica renal na população estudada, mas também ficaram atentos a casos de morte por qualquer causa.
O que se constatou foi uma incidência quatro vezes maior de derrame e de doença cardíaca, e três vezes superior de doença renal entre os participantes com SPI. A diferença numérica de mortalidade por qualquer causa entre os dois grupos foi pequena, mas, ainda assim, 88% maior entre veteranos que sofriam da síndrome no período de estudo. “É importante ressaltar que nós não estamos dizendo que a síndrome das pernas irrequietas causa ou é consequência de qualquer outra condição, apenas que há uma associação”, ressalta Miklos Z. Molnar, pesquisador da Universidade do Tennessee e principal autor do estudo.
De acordo com Molnar, é possível, inclusive, que a SPI tenha componentes genéticos. Em 2011, um estudo realizado com 4.867 pacientes e comparado a 7 mil indivíduos sem o problema encontrou duas áreas do genoma que podem estar implicadas com a síndrome, sendo que uma delas fica dentro de um gene que controla a atividade cerebral. Molnar diz ainda que é possível pensar em diversos motivos pelos quais a SPI tem relação com as complicações cardíacas, renais e o derrame. “A movimentação das pernas durante o sono acontece a cada 15 ou 40 segundos. Isso pode impactar a pressão sanguínea e os batimentos cardíacos”, diz.
É como se a pessoa estivesse fazendo um exercício físico sem parar ao longo de várias horas, observa o cientista. “Também podemos pensar em processos inflamatórios, mas realmente ainda não temos essa resposta. Por enquanto, o que temos aqui é uma associação bastante forte entre a síndrome e essas doenças crônicas”, frisa.
“Precisamos de muitos estudos para começar a compreender o problema. Futuras pesquisas clínicas deverão mostrar se a melhoria do diagnóstico e a detecção precoce do distúrbio, assim como o tratamento adequado, têm potencial de prevenir as doenças.” Derrame Recentemente, outro estudo, apresentado no Sleep 2015, o encontro anual das sociedades médicas que investigam transtornos do sono, ocorrido em junho, também encontrou associação entre casos severos da síndrome das pernas irriequietas e o risco aumentado de derrame. Em particular, o acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi), um dos tipos mais graves e o que provoca o maior número de óbitos e incapacitações. O trabalho foi conduzido por Xiang Gao, diretor do Laboratório Nutricional Epidemiológico da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
Gao analisou dados de 72.916 mulheres que estavam incluídas no Nurses”Health Study II, um estudo epidemiológico dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA realizado com enfermeiras. Na época em que entraram para a pesquisa, as participantes tinham entre 41 e 58 anos e não sofriam de diabetes e doenças vasculares. Elas eram diagnosticadas com SPI caso se encaixassem nos critérios do consenso do Grupo de Estudos Internacional de Síndrome das Pernas Irrequietas e se sofressem os sintomas cinco ou mais vezes por mês.
Comparadas às que não tinham o problema, as com a síndrome tendiam a apresentar índice de massa corporal mais alto, a ser menos ativas fisicamente, a tomar suplementos de ferro e a apresentar uma prevalência maior de doenças crônicas, como hipertensão e colesterol alto.
Durante os seis anos de acompanhamento do estudo, 161 mulheres tiveram derrame. Comparada às participantes sem SPI, a ocorrência foi 1,3 vez maior entre aquelas que sofriam de cinco a 14 episódios da síndrome por mês. Já as enfermeiras com síndrome de pernas irrequietas severa – mais de 15 por mês-tiveram o dobro de acidentes vasculares. “A associação é forte e, embora não tenhamos ideia sobre causas e consequências, podemos tirar uma conclusão importante desse estudo: pessoas que têm a síndrome devem fazer prevenção cuidadosa de doenças cardiovasculares, tentando ajustar seu estilo de vida para eliminar os fatores de risco”, observa.