Sai ano, entra ano e a desumanidade flagrante nos hospitais públicos no Brasil continua. A situação é semelhante no País inteiro, com exemplos vergonhosos aos montes nas principais capitais e regiões metropolitanas. Mas a generalização do caos na saúde pública não retira a responsabilidade dos gestores locais. Pelo contrário: amplia a importância da omissão dos governantes de cada estado e de cada município diante da calamidade incessante que exibe cenas deprimentes, agregando ao sofrimento físico a dor da humilhação aos pacientes e suas famílias.
O Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) divulgou novo balanço da vergonha em nossos hospitais. O levantamento foi feito na Região Metropolitana do Recife. E o retrato é, mais uma vez, desolador. De causar indignação a todos os pernambucanos. A superlotação das emergências prossegue trazendo constrangimento em faces marcadas pelo abandono, pela impotência, onde não há mais lugar sequer para o estarrecimento. Também não parece existir lugar para o espanto no poder público, que se acostumou a tratar do assunto de maneira burocrática, como questão meramente orçamentária – lançando desculpas e improvisos para frente, para o mês seguinte, para a licitação próxima, ou para o redentor projeto de um novo hospital, guardado para um ano de eleição.
Os corredores entupidos de gente largada à própria sorte, no chão, não chegam a surpreender ninguém, nas unidades hospitalares em que faltam, além do respeito à dignidade humana, outros materiais básicos como gaze e esparadrapo. No Hospital Otávio de Freitas, o quadro é tão grave que se cogita a interdição. Na emergência com capacidade para 60 pessoas, mais que o dobro se espremem, mendigando atenção. Por falta de leitos em outros locais, a demanda disparou, gerando o panorama insustentável.
A superlotação foi encontrada em todos os hospitais visitados: na Restauração, no Agamenon Magalhães, no Barão de Lucena, no Getúlio Vargas, no Pelópidas Silveira e no Dom Hélder Câmara. Note-se que unidades entregues recentemente já enfrentam o velho problema, denunciando a doença estrutural que acomete o sistema de saúde no Estado.
O Cremepe vai entregar um relatório ao governador Paulo Câmara e ao secretário de saúde, Iran Costa. O diagnóstico da entidade pode auxiliar o governo na tomada de decisões necessárias e urgentes. A crise nos hospitais, decerto, não há de ser surpresa para quem lida diariamente com o aperto nas contas e o exercício de fazer as melhores escolhas diante da escassez de recursos. “A saúde tem que ser priorizada”, adverte o presidente do Cremepe, Silvio Rodrigues. Para ele, o déficit financeiro do governo “não deveria respingar na saúde pública de Pernambuco”. Corretíssima análise. Se há menos dinheiro, deveria sobrar sensibilidade aos governantes, para enxergar de onde tirar os recursos de forma a manter os hospitais funcionando em níveis mínimos de decência.