Apesar do gasto médio per capita com saúde no País ser de R$ 1.271,65, no ano passado, entre os 26 Estados esse valor varia de R$ 703,67, no Pará, a R$ 1.771,13, em Roraima. Esses montantes resultam da soma de recursos de impostos e transferências constitucionais da União a cada uma das unidades federativas e do que é dispensado também pelos Estados e Municípios, com recursos próprios para pagamento de despesas em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS). Essas despesas são voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, a princípios da Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990).
Além de Roraima, tiveram valores per capita acima da média nacional apenas três outros estados: Mato Grosso do Sul (R$ 1.496,13), Tocantins (R$ 1.489,18), e Acre (R$ 1.306,91). Estados com alta densidade populacional e índices elevados de desenvolvimento econômico apresentaram índices menores. São os casos de Mato Grosso (R$ 1.243,84), São Paulo (R$ 1.235,15), Rio Grande do Sul (R$ 1.207,13), Rio de Janeiro (R$ 1.194,19), Paraná (R$ 1.129.36) e Minas Gerais (R$ 1.011,21).
Na base do ranking dos gastos totais per capita em saúde, além do Pará, surgem: Maranhão, com despesa total por ano de R$ 750,45; Bahia (R$ 777,80); Alagoas (R$ 863,18); Ceará (R$ 888,71); e Amazonas (R$ 907,82). Também realizaram uma média inferior a R$ 1.000 ao ano por habitante: Pernambuco (R$ 908,68), Goiás (R$ 910,60), Paraíba (R$ 912,11), Sergipe (R$ 936,96) e Rio Grande do Norte (R$ 948,99).
Cálculo diferenciado – No caso do Distrito Federal, esse número tem um cálculo diferenciado por conta do maior volume de recursos dispensados pelo Ministério da Saúde para pagamento dos servidores. No nível federal, uma despesa de quase R$ 39 bilhões foi identificada em 2017 com a descrição “nacional”, que em parte reflete despesas com pagamento de pessoal, além de itens que o Ministério da Saúde executa de forma centralizada em benefício de todos os entes – como a compra de medicamentos de alto custo, vacinas e insumos.
Além disso, a partir de 2015, o volume principal de pagamento de servidores ativos da União passou a constar do volume de recursos do Distrito Federal (até então carimbados como “nacional”). Dado o impacto na proporção do DF em relação aos demais estados, a unidade não foi incluída no ranking elaborado pelo CFM. Isso fez com que o volume de transferências da União ficasse em R$ 2.579,02, quase cinco vezes maior que o segundo lugar na lista (Roraima, com R$ 527,45).
Papel da União – O cálculo do volume de recursos enviados pela União aos Estados e municípios para ajudar no custeio e no investimento em ações e serviços de saúde é feito com base em critérios baseados nas necessidades da população; nas dimensões epidemiológicas, demográficas, socioeconômicas e espacial; e na capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde. Além disso, o rateio deve ter como objetivo a “progressiva redução das disparidades regionais”, conforme estabelece a Constituição Federal.
Ao avaliar os dados disponíveis no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), administrado pelo Ministério de mesmo nome, o CFM conseguiu identificar o total dos repasses por Estado, no período (2008 a 2017). Depois, dividiu esses números pela população residente em cada unidade da federação, conforme estimativa do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE), o que permitiu identificar o valor médio per capita dos repasses por Estado.
Em 2017, as transferências federais ficaram, em média em R$ 552,35. Por região, o pior desempenho foi no Norte (R$ 287,43), seguido do Sudeste (R$ 324,72), do Nordeste (R$ 334,24), do Sul (¨R$ 378,83) e do Centro-Oeste, com R$ 754,46, cujo resultado sofreu o impacto da distorção causada pela concentração de recursos do Ministério da Saúde no Distrito Federal.
Ranking estadual – O segundo item da operação que permitiu ao CFM saber exatamente o gasto per capita por Estado se baseia na análise dos valores destinados especificamente a Ações e Serviços Públicos de Saúde descritos nos orçamentos de cada Governo Estadual. Esses números integram relatórios que bimestralmente são encaminhados à União por meio do Sistema de Informações sobre os Orçamentos Públicos em Saúde (Siops).
De acordo com o declarado, os governos dos 26 estados e do Distrito Federal dispensaram, em média, R$ 315,93 na saúde de cada habitante, a partir de seus recursos próprios (sem contar com os repasses da União e os gastos de municípios). Onze estados se colocaram abaixo desse patamar. Os piores desempenhos foram percebidos na Bahia (R$ 226,56), Maranhão (R$ 231,48) e Pará (R$ 258,02). Na outra ponta, se destacaram Roraima, com per capita em saúde de R$ 976,77 ao ano, seguido pelo Distrito Federal (R$ 898,78) e Acre (R$ 736,24).
Municípios – Para fechar a conta da despesa per capita por unidade da Federação, também se buscou saber qual o comprometimento orçamentário dos municípios com essa responsabilidade legal. Nesse caso, foram analisadas as informações oficiais das Prefeituras enviadas ao Ministério da Saúde, também por meio do Siops. A alimentação desse sistema é uma das condições, por exemplo, para que Estados e municípios possam continuar recebendo transferências constitucionais e voluntárias da União, como os Fundos de Participação dos Municípios (FPM) e de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Dessa contabilidade dos recursos municipais, foram excluídos apenas Fernando de Noronha (PE) e Brasília (DF), por terem configurações administrativas específicas. Assim, somou-se o declarado por todos os municípios de um Estado e dividiu-se o resultado pela população total. O resultado mostra que os 5.568 municípios que têm essa obrigação legal e administrativa responderam, em 2017, por uma despesa per capita em saúde que ficou, em média, em R$ 403,37.
Por unidade, os melhores desempenhos médios foram percebidos entre os municípios de São Paulo (R$ 601,98), Mato Grosso do Sul (R$ 567,74), Mato Grosso (R$ 502,22), Santa Catarina (R$ 471,91) e Paraná (R$ 470,93). Já nas últimas posições ficaram as médias das cidades do Amapá (R$ 141,55), Acre (R$ 170,76), Pará (R$ 206,55), Maranhão (R$ 225,09) e Alagoas (R$ 241,38). Considerando a média nacional, além dos municípios desses Estados, os de outras 12 unidades da Federação também ficam abaixo do parâmetro nacional.
Comprometimento – “Enquanto os municípios brasileiros aumentaram gradativamente sua participação na composição das despesas públicas, os Estados, aos poucos, têm retraído sua presença proporcional nas contas da saúde”, lembrou o conselheiro Hermann Tiesenhausen. Para provar isso, ele avalia o comprometimento dos percentuais do orçamento com o setor entre 2008 e 2017.
Segundo ele, os municípios e os Estados ampliaram o gasto, especialmente a partir dos anos 2000, com o estabelecimento da Emenda Constitucional nº 29, que vinculou os recursos da saúde às suas receitas (12% para Estados e 15% para municípios). Em 2008, as prefeituras assumiam 29,3% do gasto total público, percentual que, em 2017, alcançou 31,4%. No mesmo intervalo, no caso dos estados, eles respondiam por 26,8% das despesas, percentual que caiu para 25%, no ano passado. “Já no caso da União essa vinculação, que na década de 1990 chegou a ser responsável de 75% da participação do Estado com o gasto sanitário total, no período analisado se manteve em torno de 43%”, complementou.
O economista e coordenador de Pós-Graduação em Gestão e Economia da Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Áquilas Mendes, diz não ter dúvida de que o crescimento dos gastos municipais se deve ao seu papel de responsabilidade sobre a execução da política de saúde, em virtude do processo de descentralização do Sistema único de Saúde (SUS). “Em tempos de crise econômica que o Brasil atravessa desde 2014, alguns enfrentamentos devem ser feitos”, aponta.
Mendes, que foi presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres) e é referência nacional em financiamento da saúde, avaliou os números do CFM e avaliou que os contextos, mundial e nacional, contribuem para os embates na história do financiamento do SUS, desde sua criação. “Entre 1995 a 2015, o gasto do Ministério da Saúde não foi alterado, mantendo-se 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto que o gasto com juros da dívida representou, em média, 7,1%. Tudo indica que o quadro do subfinanciamento, no período recente, vem se transformando num processo de desfinanciamento, que certamente levará a um aniquilamento das tentativas de construção de nosso sistema universal”, criticou.
Em recente análise sobre o tema, publicada pelo instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), Mendes destacou que, com a adoção de uma das maiores medidas de austeridade para alcançar um equilíbrio fiscal no País, a Emenda Constitucional (EC) 95/2016, “os recursos federais para o SUS devem reduzir de 1,7% do PIB para 1,0% até 2036, acumulando perdas superiores a três orçamentos anuais nesse período de 20 anos”. Segundo ele, num cenário retrospectivo, entre 2003 a 2015, a medida já teria causado uma perda de R$ 135 bilhões.