Desde que Edward Jenner, no final do século XVIII, demonstrou que a vacinação poderia diminuir as mortes causadas pela varíola, a sociedade humana investe na melhoria ou criação de novas vacinas. A história demonstrou claramente os efeitos benéficos das vacinas, tanto no combate à mortalidade pelas doenças infectocontagiosas – até o século XX a principal causa de morte no mundo – como na melhoria da qualidade de vida das pessoas. A vacinação foi a medida isolada que teve o maior impacto na redução da mortalidade na infância.
As vacinas, hoje, se apresentam eficazes e seguras, além de serem de fácil implementação e terem um custo que vem sendo reduzido paulatinamente. No Brasil, o Programa Nacional de Imunização (PNI), criado em 1973 pelo Ministério da Saúde (MS), tem como objetivo coordenar as ações de vacinações em todo o território nacional de forma inclusiva com o objetivo de erradicar ou controlar diversas doenças imunopreveníveis, e representa um avanço de extrema importância para a saúde pública. O PNI é reconhecido nacional e internacionalmente como uma iniciativa exitosa e adquiriu respeitabilidade e credibilidade junto à população e ao meio científico.
Entretanto, dúvidas sobre a necessidade de vacinação ou mesmo das vacinas e, principalmente, da possibilidade de desencadeamento de efeitos adversos vêm sendo propagadas por grupos minoritários que criaram um “movimento antivacina”. Esse movimento, baseado em falsas premissas, vem prestando um desserviço à saúde das populações. Doenças praticamente controladas por imunizantes, como sarampo e pólio, por exemplo, voltam a causar surtos epidêmicos em várias regiões do mundo.
A situação é tão grave que recentemente a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou o “movimento antivacina” como uma das principais ameaças à saúde pública mundial. A pandemia COVID-19 impactou negativamente na rotina de vacinação agravando o problema, pois houve uma acentuada redução da cobertura vacinal. Em torno de 80 milhões de criança menores de um ano estão em risco de doenças como difteria, coqueluche, tétano, sarampo, pólio. Essa ruptura de campanhas de vacinações em países ricos e pobres põe em risco milhões de crianças.
A população tem o direito de ser informada quanto à importância dos programas de vacinação para a saúde individual e coletiva. Informações sobre a eficácia e a segurança das vacinas, sempre baseadas em evidências científicas, devem ser divulgadas de forma clara para o entendimento e tomada de decisão. A educação em saúde com o objetivo de sensibilizar, conscientizar e mobilizar a população para o enfrentamento de situações que interferem na qualidade de vida das pessoas é uma estratégia fundamental para a promoção da saúde. No momento atual, com a pandemia não controlada, a vacinação é a medida que pode mudar radicalmente a face da doença. Portanto, a educação em saúde se torna um elo imprescindível para o sucesso da vacinação das populações, em especial aquelas mais vulneráveis. Além disso, a educação em saúde, em especial aquela disseminada com tecnologias mais avançadas, apresenta um importante papel na proteção contra teorias conspiratórias e fakenews que atentam contra medidas salvadoras como as vacinas.
Uma vacina eficaz e segura para a COVID-19 foi ansiosamente esperada em todo o mundo. Em novembro de 2020, quatro das 11 empresas farmacêuticas e instituições de pesquisas anunciaram seus resultados preliminares. Resultados de eficácia variaram entre 62 e 95%, percentuais maiores que o mínimo de 50% inicialmente considerado pela OMS como aceitável nesta pandemia. O projeto da primeira candidata foi iniciado em meados de março e numa rapidez sem precedentes em poucos meses já temos vacinas sendo aplicadas em países de diferentes continentes.Tal fato representa uma mudança na trajetória tradicional de desenvolvimento das vacinas, que levam em média mais de 10 anos para serem liberadas para uso clínico, o que é sem dúvida uma grande contribuição prestada pela ciência.
Embora não tenha havido redução dos critérios necessários para a aprovação de vacinas, as primeiras foram aprovadas sob os regulamentos para uso de emergência. Isso requer que as empresas continuem com as pesquisas de acompanhamento para monitorar eventos adversos de menor frequência e o necessário seguimento da eficácia de forma continuada.
Os grandes ensaios clínicos para vacinas COVID-19 devem fornecer dados que serão úteis para a compreensão das respostas imunológicas. As informações relacionadas aos dados demográficos, clínicos, resposta humoral e celular, devem acelerar a vacinologia humana. A comunicação adequada com a população, informando os reais benefícios de uma vacina, suas limitações e a importância da proteção individual e coletiva será um grande desafio a ser enfrentado, em função de questões geopolíticas envolvidas.
A confiança nas vacinas precisa ser mantida a qualquer custo, sob pena de colocarmos em risco todas as conquistas obtidas no controle e eliminação e doenças em todo o mundo. É fundamental uma cooperação entre pesquisadores, agências reguladoras, formuladores de políticas, financiadores, órgãos de saúde pública, e governos, a fim de garantir que as vacinas possam ser fabricadas em quantidades suficientes e fornecidas equitativamente em todas as áreas afetadas, particularmente em países economicamente menos favorecidos.
Por fim, através deste documento a Academia Pernambucana de Medicina se posiciona da forma mais eloquente possível a favor das vacinas contra o flagelo da pandemia causada pelo vírus da COVID-19, desde que sejam aprovadas pelas principais agências reguladoras específicas, condenando veementemente o obscurantismo daqueles que levantam as bandeiras irracionais do movimento antivacinas.
Observação: Esse documento foi escrito pelos Acadêmicos e Professores Gisélia Pontes Alves, João Regis, Paulo Mendonça, João Guilherme Alves e Eduardo Jorge Fonseca, sendo posteriormente referendado pela Diretoria da Academia Pernambucana de Medicina.
Hildo R. C. Azevedo Filho
Presidente da Academia Pernambucana de Medicina
Recife, janeiro de 2021