Na minha trajetória profissional, o destino levou-me a dois ofícios nos quais pude vivenciar aspectos palpitantes da ética médica. O ano do curso médico em que leciono, na Faculdade Pernambucana de Saúde, está incluído no currículo o ensino da ética médica e, nos últimos cinco anos, tive a experiência de ser conselheiro do CREMEPE. Estas duas condições permitiram reflexões que me inquietam sobre questões do exercício da medicina.
A ferramenta que permite tratamentos de ponta e melhora da sobrevida dos pacientes é a mesma que pode causar danos e sequelas. Um dos grandes desafios é garantir uma prática médica baseada em valores éticos robustos e na ciência, utilizando a melhor tecnologia.
Para Platão, a ética é hábito, arte de fazer o bem, que torna bom aquilo que é feito e quem o fez. Preconizava que preceitos morais são inatos ao indivíduo; o hábito é o que permite aperfeiçoá-los. A característica da ética teria correlação intrínseca com a virtude moral, a honra e o caráter.
Na atualidade, fica claro que a ética, além de depender da moral, é fruto de uma construção individual com a incorporação de valores ao longo da vida profissional. Os princípios éticos da deontologia médica são: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. A autonomia permite que o paciente tenha o direito de escolher o tratamento e compartilhar esta decisão com a equipe. As decisões compartilhadas deveriam ser a regra na prática médica. Essa manifestação deve ser acompanhada por esclarecimentos na avaliação dos riscos e benefícios do tratamento. Ficou muito evidente, na minha caminhada, como precisamos sair da retórica da autonomia e garantir sua verdadeira prática. A beneficência significa que o médico faça o bem ao paciente. A não maleficência dita que o médico não cause danos ao paciente, enquanto que a justiça prediz que o tratamento seja igualitário e justo. Estes quatros princípios são atemporais e a sua observância permitem uma boa pratica médica.
A bioética permite reflexões sobre as transformações tecnológicas, sociais e morais ocorridas nas últimas décadas, que levaram ao surgimento de uma comunidade mundialmente integrada, com repercussões no exercício das profissões de saúde. Na bioética da relação médico-paciente, o que mantêm os vínculos adequados neste binômio tão peculiar serão sempre o respeito, confiança e a compaixão. O ensino da bioética deve ser transversal ao longo de todo o curso e reforçar a formação humanista, crítica e reflexiva dos futuros médicos, capacitando-os a atuar em seus diferentes níveis de atenção à saúde.
Os docentes de medicina precisam ter além do conhecimento técnico, a vivência profissional e, de forma complementar, uma melhor cultura humanística, de filosofia, literatura, artes e história da medicina. O Prof. Fernando Figueira gostava de repetir que o médico que só sabe medicina, sabe muito pouco, e para o docente esta afirmação é ainda mais importante.
A deontologia enfrenta enormes desafios nesta era digital relacionados à segurança da informação e ao uso adequado das redes sociais nas propagandas, obrigando os profissionais de saúde a terem total responsabilidade em relação ao conteúdo que compartilham. Mas, ouso afirmar que, além destas inquietantes questões que envolvem a propaganda médica nas mídias, outros temas ainda mais polêmicos como aborto, reprodução assistida, princípios da ortotanásia/distanásia e cuidados paliativos são conceitos que podem ser aprendidos, garantindo o respeito às normas éticas.
Os alunos chegam ao curso médico trazendo a bagagem de sua formação familiar, social e cultural, além das expectativas em relação ao que significa êxito profissional. Muitos acham que podem abreviar o caminho correto da dedicação, esforço e estudo para a rápida obtenção do “sucesso” e “fama”. Cabe aos docentes, desde o início do curso, induzir a reflexões que conduzam a um outro olhar.
Estamos mesmo conseguindo ensinar de forma crítica os princípios da deontologia, permitindo uma reflexão sobre seus fundamentos, que moldem estes aprendizes ao longo de sua trajetória? Quem são os exemplos de profissionais para estes jovens médicos? Que valores estão esperando da nossa profissão? Como estimular de forma efetiva as diretrizes da bioética para termos melhores profissionais?
Continuo com a esperança de que o treinamento técnico adequado, o exemplo pela ação, e não pela retórica, o desenvolvimento continuo das competências éticas durante todo o exercício profissional e um conselho com forte caráter educativo levem ao bom exercício da profissão.
A medicina será sempre uma arte, guiada pela ciência e ética.
Eduardo Jorge da Fonseca Lima, médico e pesquisador do IMIP, professor da FPS e conselheiro do CREMEPE.