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Brasil é recordista em remédios para emagrecer

Brasil, o paraíso dos inibidores de apetite. Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes revela que o país aparece pela terceira vez como maior consumidor de drogas para emagrecer. E a tendência é de piora

Com os olhos vermelhos, ela conta o mais íntimo de seus segredos: “Tenho vergonha do meu corpo”. Mariana (nome fictício) é uma jovem de 23 anos que há quatro luta contra a balança. Seu duelo com os quilos a mais começou aos 19, quando ingeriu os primeiros anorexígenos – inibidores de apetite. Naquele tempo, fez exames, acompanhamento médico, dieta, exercícios físicos. Em dois meses, o esforço associado aos remédios trouxe resultado: 17 quilos a menos.

Como ocorre com muitos ex-gordinhos, Mariana relaxou. Não fez acompanhamento em consultório. Nem deu continuidade ao esforço diário de escolher alimentos saudáveis, fugir do doce e se exercitar. Pouco tempo depois, as gorduras do passado tornaram-se pesadelo reincidente. Contra o fantasma da auto-rejeição, ela recorreu novamente aos derivados de anfetaminas. Procurou um cirurgião plástico de Taguatinga, famoso pelas fórmulas milagrosas para emagrecer e pela agenda apertadíssima. “Ele me atendeu em 15 minutos. Não pediu exames, mal olhou na minha cara. Quando entrei no consultório, vi que ele já tem um receituário padronizado, em que os nomes dos remédios vêm escritos, e as quantidades, determinadas. Quando ele acha que é o caso de usar uma dosagem maior, faz uma alteração a caneta. É tudo muito simples e ágil. Ninguém perde tempo”, conta a jovem.

Mariana faz parte de uma estatística alarmante: 13 entre mil brasileiros consomem anorexígenos – contra nove americanos para o mesmo universo. Derivados das anfetaminas, os inibidores de apetite, podem levar o paciente à morte se forem prescritos e tomados de forma indiscriminada. Por causa dos perigos, eles fazem parte da lista de remédios controlados pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), que amanhã anuncia um dado preocupante para o Brasil. Aqui, o consumo per capita de anorexígenos é 40% mais alto do que nos Estados Unidos, onde dois terços da população adulta sofre de obesidade ou está acima do peso. Em termos relativos, a notícia faz do Brasil o primeiro usuário mundial desses remédios, já que apenas 10% da população nacional sofre de obesidade. Apesar do quadro grave, a tendência é de crescimento da curva de consumo.

De acordo com o relatório da Jife, baseado em dados fornecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a produção de derivados de anfetamina, como femproporex e anfepramona, também cresceu. Além disso, 98,6% do femproporex e 89,5% da anfepramona produzidos no planeta são fabricados e consumidos em território brasileiro. Phillip Emafo, presidente da Jife, lança o alerta no documento: “É necessária a intervenção eficaz por parte das autoridades locais para conseguir reverter essa tendência”.

Saídas

Pela terceira vez consecutiva, o país figura no alto da lista de consumo mundial de remédios para emagrecer. Na tentativa de reverter o cenário, a Anvisa, responsável pelo controle e monitoramento desses medicamentos, lançou em dezembro uma consulta pública, em que propôs mudança nas regras de prescrição. Pela sugestão, o controle seria feito por meio do receituário amarelo, o qual contém informações como nome do médico, CPF e endereço do paciente, quantidades do princípio ativo presente nos estoques das farmácias brasileiras de manipulação etc. Para o diretor-geral da Anvisa, Dirceu Raposo, o talonário amarelo será sinônimo de rígido controle de indicação dos anorexígenos. “A Anvisa autoriza atualmente a confecção do receituário azul, mas não tem ainda um controle de quantos são produzidos. A receita amarela, no entanto, será emitida pelo estado, o que acarretará um monitoramento mais eficaz dessas prescrições”, explica Raposo.

As milagrosas pílulas que secaram o corpo de Mariana nada mais são do que a mistura de anfetaminas, tranquilizantes, hormônios sintéticos da tireóide (glândula responsável pela secreção dos hormônios metabólicos, que controlam o peso) e outras plantas de efeitos diuréticos e laxantes. Na maioria dos casos, elas são vendidas ao paciente como fitoterápicos inofensivos. Mariana, por exemplo, conhecia os perigos de usar anorexígenos, mas deixou o receio de lado quando deparou-se com a tranqüilidade do médico. “Ele garantiu que não teria problema e eu acreditei, porque precisava acreditar, me iludir”, diz ela. Em pouco tempo, o corpo denunciou o engano: Mariana apresentava um quadro de agressividade incontrolável, insônia e traços de comportamento maníaco-depressivo. “Foi a pior fase da minha vida”, lembra.

Além da combinação de substâncias, o médico deu a Mariana duas receitas idênticas. Uma com a data da consulta, outra indicando que o encontro fora realizado 15 dias depois. Com a estratégia, ela conseguiu tomar o dobro do limite máximo de ingestão diária dos remédios. E assim emagrecer em menos tempo. “Médicos que adotam essa prática trabalham contra a ética da profissão, focada na integridade do paciente”, desabafa o corregedor do Conselho Federal de Medicina, Roberto d”Ávila.

PARA SABER MAIS

Remédios acessíveis e perigosos

Os derivados das anfetaminas são tradicionamente usados nos quadros de obesidade. Agem no cérebro, bloqueando os centros da fome, o que faz com que a pessoa pare de comer. A dieta, conseqüentemente, passa a ser bastante restritiva, com baixas quantidades de nutrientes e calorias. Por conta disso, há risco de desnutrição. Outro agravante é que o paciente jamais consegue fazer manutenção de peso quando a medicação é suspensa, uma vez que não reaprende a comer.

Doenças psiquiátricas podem ser o preço cobrado pelos anorexígenos. Os medicamentos provocam excitabilidade do sistema nervoso, insônia, dependência química e disposição para neuroses, como transtorno bipolar e síndrome do pânico. “Essas substâncias agem como gatilho para esses transtornos. É obrigação do médico alertar o paciente sobre todas as ameaças que essas substâncias representam”, diz Valéria Guimarães, conselheira da Sociedade Internacional de Endocrinologia.

Combinações de medicamentos são usadas para minimizar os efeitos, mas trata-se de prática ilegal. Médicos que prescrevem ansiolíticos e antidepressivos vão contra as resoluções do Conselho Federal de Medicina e Conselho Federal de Farmácia. Para ter mais dados, acesse a página da Anvisa na internet (http://e-legis.anvisa.gov.br/leisref/public/).

Problemas na América

Enquanto o consumo de estimulantes utilizados para emagrecer cresce nas Américas, o uso dessas substâncias na Ásia, Europa e Oceania vem caindo consideravelmente desde 2000. É o que revela o novo relatório da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife). O Brasil, no topo da lista dos maiores consumidores de anorexígenos, é seguido pela Argentina – onde 12 em cada mil pessoas utilizam esses medicamentos – e Coréia do Sul. Em quarto lugar, aparecem os Estados Unidos.

Para reduzir o uso indiscriminado de medicamentos emagrecedores, os governos de alguns países como Chile, Dinamarca e França introduziram medidas de controle na formulação, receita e distribuição desses remédios. A onda dos remédios para emagrecer fabricados no Brasil preocupou as autoridades americanas no início do ano passado.

Conhecidas como brazilian diet pills, as cápsulas estiveram na mira da Food and Drug Administration (FDA) por conterem anfetaminas e tranqüilizantes, apesar da embalagem de fitoterápicos. O rótulo não fazia menção às substâncias inibidoras de apetite. Para entrarem nos Estados Unidos, as pílulas brasileiras precisariam do aval do FDA. No entanto, eram vendidas pela internet ao consumidor incauto. Como resultado, pacientes norte-americanos apresentaram um distúrbio conhecido como cetoacidose diabética, que provoca hipoglicemia (aumento da glicose no sangue).

Prioridade

O perigo dos mercados não-regulamentados é o tema do primeiro capítulo do Relatório Anual da Jife. Para a Junta, o assunto deve ser tratado pelas autoridades dos países como prioridade. “Com os mercados não-regulamentados, remédios fora do padrão – e muitas vezes letais – estão sendo vendidos para o consumidor desavisado. Esses mercados são muitas vezes supridos por remédios roubados, produzidos ilegalmente por indústrias farmacêuticas, ou por meio de vendas ilegais na internet e distribuídos por correio ou outras formas de envio postal”, diz o documento.

Há 40 anos, a Jife – um órgão independente apoiado pelas Nações Unidas – monitora o comprometimento dos países em relação aos tratados internacionais sobre o controle de drogas. Também trabalha para impedir que fontes legais de substâncias psicotrópicas sejam desviadas para o tráfico ilegal de drogas.

Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.
Matéria publicada no Correio Braziliense de 28.02.2006
TEXTO: Lígia Maria Lopes, da equipe do Correio.

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Privado: Brasil é recordista em remédios para emagrecer

Brasil, o paraíso dos inibidores de apetite. Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes revela que o país aparece pela terceira vez como maior consumidor de drogas para emagrecer. E a tendência é de piora

Lígia Maria Lopes
Da equipe do Correio

Com os olhos vermelhos, ela conta o mais íntimo de seus segredos: “Tenho vergonha do meu corpo”. Mariana (nome fictício) é uma jovem de 23 anos que há quatro luta contra a balança. Seu duelo com os quilos a mais começou aos 19, quando ingeriu os primeiros anorexígenos – inibidores de apetite. Naquele tempo, fez exames, acompanhamento médico, dieta, exercícios físicos. Em dois meses, o esforço associado aos remédios trouxe resultado: 17 quilos a menos.

Como ocorre com muitos ex-gordinhos, Mariana relaxou. Não fez acompanhamento em consultório. Nem deu continuidade ao esforço diário de escolher alimentos saudáveis, fugir do doce e se exercitar. Pouco tempo depois, as gorduras do passado tornaram-se pesadelo reincidente. Contra o fantasma da auto-rejeição, ela recorreu novamente aos derivados de anfetaminas. Procurou um cirurgião plástico de Taguatinga, famoso pelas fórmulas milagrosas para emagrecer e pela agenda apertadíssima. “Ele me atendeu em 15 minutos. Não pediu exames, mal olhou na minha cara. Quando entrei no consultório, vi que ele já tem um receituário padronizado, em que os nomes dos remédios vêm escritos, e as quantidades, determinadas. Quando ele acha que é o caso de usar uma dosagem maior, faz uma alteração a caneta. É tudo muito simples e ágil. Ninguém perde tempo”, conta a jovem.

Mariana faz parte de uma estatística alarmante: 13 entre mil brasileiros consomem anorexígenos – contra nove americanos para o mesmo universo. Derivados das anfetaminas, os inibidores de apetite, podem levar o paciente à morte se forem prescritos e tomados de forma indiscriminada. Por causa dos perigos, eles fazem parte da lista de remédios controlados pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), que amanhã anuncia um dado preocupante para o Brasil. Aqui, o consumo per capita de anorexígenos é 40% mais alto do que nos Estados Unidos, onde dois terços da população adulta sofre de obesidade ou está acima do peso. Em termos relativos, a notícia faz do Brasil o primeiro usuário mundial desses remédios, já que apenas 10% da população nacional sofre de obesidade. Apesar do quadro grave, a tendência é de crescimento da curva de consumo.

De acordo com o relatório da Jife, baseado em dados fornecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a produção de derivados de anfetamina, como femproporex e anfepramona, também cresceu. Além disso, 98,6% do femproporex e 89,5% da anfepramona produzidos no planeta são fabricados e consumidos em território brasileiro. Phillip Emafo, presidente da Jife, lança o alerta no documento: “É necessária a intervenção eficaz por parte das autoridades locais para conseguir reverter essa tendência”.

Saídas

Pela terceira vez consecutiva, o país figura no alto da lista de consumo mundial de remédios para emagrecer. Na tentativa de reverter o cenário, a Anvisa, responsável pelo controle e monitoramento desses medicamentos, lançou em dezembro uma consulta pública, em que propôs mudança nas regras de prescrição. Pela sugestão, o controle seria feito por meio do receituário amarelo, o qual contém informações como nome do médico, CPF e endereço do paciente, quantidades do princípio ativo presente nos estoques das farmácias brasileiras de manipulação etc. Para o diretor-geral da Anvisa, Dirceu Raposo, o talonário amarelo será sinônimo de rígido controle de indicação dos anorexígenos. “A Anvisa autoriza atualmente a confecção do receituário azul, mas não tem ainda um controle de quantos são produzidos. A receita amarela, no entanto, será emitida pelo estado, o que acarretará um monitoramento mais eficaz dessas prescrições”, explica Raposo.

As milagrosas pílulas que secaram o corpo de Mariana nada mais são do que a mistura de anfetaminas, tranquilizantes, hormônios sintéticos da tireóide (glândula responsável pela secreção dos hormônios metabólicos, que controlam o peso) e outras plantas de efeitos diuréticos e laxantes. Na maioria dos casos, elas são vendidas ao paciente como fitoterápicos inofensivos. Mariana, por exemplo, conhecia os perigos de usar anorexígenos, mas deixou o receio de lado quando deparou-se com a tranqüilidade do médico. “Ele garantiu que não teria problema e eu acreditei, porque precisava acreditar, me iludir”, diz ela. Em pouco tempo, o corpo denunciou o engano: Mariana apresentava um quadro de agressividade incontrolável, insônia e traços de comportamento maníaco-depressivo. “Foi a pior fase da minha vida”, lembra.

Além da combinação de substâncias, o médico deu a Mariana duas receitas idênticas. Uma com a data da consulta, outra indicando que o encontro fora realizado 15 dias depois. Com a estratégia, ela conseguiu tomar o dobro do limite máximo de ingestão diária dos remédios. E assim emagrecer em menos tempo. “Médicos que adotam essa prática trabalham contra a ética da profissão, focada na integridade do paciente”, desabafa o corregedor do Conselho Federal de Medicina, Roberto d”Ávila.

para saber mais

Remédios acessíveis e perigosos

Os derivados das anfetaminas são tradicionamente usados nos quadros de obesidade. Agem no cérebro, bloqueando os centros da fome, o que faz com que a pessoa pare de comer. A dieta, conseqüentemente, passa a ser bastante restritiva, com baixas quantidades de nutrientes e calorias. Por conta disso, há risco de desnutrição. Outro agravante é que o paciente jamais consegue fazer manutenção de peso quando a medicação é suspensa, uma vez que não reaprende a comer.

Doenças psiquiátricas podem ser o preço cobrado pelos anorexígenos. Os medicamentos provocam excitabilidade do sistema nervoso, insônia, dependência química e disposição para neuroses, como transtorno bipolar e síndrome do pânico. “Essas substâncias agem como gatilho para esses transtornos. É obrigação do médico alertar o paciente sobre todas as ameaças que essas substâncias representam”, diz Valéria Guimarães, conselheira da Sociedade Internacional de Endocrinologia.

Combinações de medicamentos são usadas para minimizar os efeitos, mas trata-se de prática ilegal. Médicos que prescrevem ansiolíticos e antidepressivos vão contra as resoluções do Conselho Federal de Medicina e Conselho Federal de Farmácia. Para ter mais dados, acesse a página da Anvisa na internet (http://e-legis.anvisa.gov.br/leisref/public/).

Problemas na América

Enquanto o consumo de estimulantes utilizados para emagrecer cresce nas Américas, o uso dessas substâncias na Ásia, Europa e Oceania vem caindo consideravelmente desde 2000. É o que revela o novo relatório da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife). O Brasil, no topo da lista dos maiores consumidores de anorexígenos, é seguido pela Argentina – onde 12 em cada mil pessoas utilizam esses medicamentos – e Coréia do Sul. Em quarto lugar, aparecem os Estados Unidos.

Para reduzir o uso indiscriminado de medicamentos emagrecedores, os governos de alguns países como Chile, Dinamarca e França introduziram medidas de controle na formulação, receita e distribuição desses remédios. A onda dos remédios para emagrecer fabricados no Brasil preocupou as autoridades americanas no início do ano passado.

Conhecidas como brazilian diet pills, as cápsulas estiveram na mira da Food and Drug Administration (FDA) por conterem anfetaminas e tranqüilizantes, apesar da embalagem de fitoterápicos. O rótulo não fazia menção às substâncias inibidoras de apetite. Para entrarem nos Estados Unidos, as pílulas brasileiras precisariam do aval do FDA. No entanto, eram vendidas pela internet ao consumidor incauto. Como resultado, pacientes norte-americanos apresentaram um distúrbio conhecido como cetoacidose diabética, que provoca hipoglicemia (aumento da glicose no sangue).

Prioridade

O perigo dos mercados não-regulamentados é o tema do primeiro capítulo do Relatório Anual da Jife. Para a Junta, o assunto deve ser tratado pelas autoridades dos países como prioridade. “Com os mercados não-regulamentados, remédios fora do padrão – e muitas vezes letais – estão sendo vendidos para o consumidor desavisado. Esses mercados são muitas vezes supridos por remédios roubados, produzidos ilegalmente por indústrias farmacêuticas, ou por meio de vendas ilegais na internet e distribuídos por correio ou outras formas de envio postal”, diz o documento.

Há 40 anos, a Jife – um órgão independente apoiado pelas Nações Unidas – monitora o comprometimento dos países em relação aos tratados internacionais sobre o controle de drogas. Também trabalha para impedir que fontes legais de substâncias psicotrópicas sejam desviadas para o tráfico ilegal de drogas.