Atendendo a uma solicitação da diretoria do Cremepe, a Câmara Técnica de Hematologia (CTH) do Conselho elaborou um parecer sobre a prática terapêutica intitulada “auto-hemoterapia”. O documento, que tem como relator o conselheiro Divaldo de Almeida Sampaio, informa que o procedimento “trata-se, até o momento, de um método sem qualquer comprovação científica tanto quanto ao mecanismo de ação, resultados, efeitos colaterais e complicações”.
O parecer também diz que “pode-se afirmar que até o presente momento desconhecemos qualquer estudo científico corretamente conduzido, publicado em revistas científicas indexadas, em nível nacional e/ou internacional, demonstrando o real mecanismo de ação desse procedimento conhecido como auto-hemoterapia e a racionalidade em seu uso”, entre outras informações.
Leia abaixo o texto completo do parecer:
CREMEPE – CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DE PERNAMBUCO
CÂMARA TÉCNICA DE HEMATOLOGIA (CTH)
Parecer Técnico N° 0001/2007-CTH-CREMEPE
Assunto: Solicitação de posicionamento quanto à prática terapêutica denominada de auto-hemoterapia.
A Câmara Técnica de Hematologia do CREMEPE, reunida na Sala do Conselho em 01/03/2007, após analisar o assunto acima referido, cujo relator foi o Dr. Divaldo de Almeida Sampaio, concluiu e aprovou o seguinte parecer técnico final:
Do Relato:
A Divisão de Saúde e Bem Estar no Trabalho da Companhia Hidroelétrica do São Francisco – CHESF, “preocupada com a repercussão entre seus empregados acerca de matéria veiculada em jornal de ampla circulação no Recife sobre a cura pela Auto-Hemoterapia”, solicita posicionamento do CREMEPE a respeito da temática, incluindo informações sobre estudos científicos por acaso existentes. Três pessoas físicas (Sra. Geovania Moreira, Sr. Marcello e Sra Janaina Bonfim), enviaram mensagem por e-mail ao CREMEPE, formulando as seguintes indagações:
• “Onde encontrar profissionais que trabalhem com auto-hemoterapia?”
• “Se a técnica de Auto-Hemoterapia é confiável, segura, recomendável, e quais são seus resultados e riscos?”
• “Assisti a um vídeo sobre o assunto com o Dr. Luiz Moura e peço indicar um médico que trabalhe com Auto-Hemoterapia.”
Da Análise dos fatos sobre o uso e implicações éticas da auto-hemoterapia:
1. A técnica denominada auto-hemoterapia é um procedimento não reconhecido, e, portanto, ainda não aceito, nos meios científicos nacionais, representados tanto pela Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, como pelo Colégio Brasileiro de Hematologia. Trata-se de um neologismo que, até o presente momento, não é encontrado na literatura médica especializada. É uma técnica que está sendo utilizada ainda sem comprovação e publicação científica que justifique seu emprego, não figura em livros recentes, nem nas revistas especializadas em hemoterapia;
2. O uso terapêutico de qualquer produto medicamentoso, incluindo o sangue e seus derivados, decorre, obrigatoriamente, de regulamentação específica, devendo seguir princípios da farmacologia e da prática clínica. Significa que se deve demonstrar em ensaios randomizados, controlados, duplos-cegos, de tamanho amostral adequado e rigorosa metodologia científica que apresentem segurança terapêutica e eficácia clínica, no contexto para o qual são indicados no respectivo bulário ou nas Resoluções de Diretoria Colegiada da ANVISA/Ministério da Saúde. Não sendo testados nos moldes acima referidos, tem como conseqüência que não podem ser técnica e eticamente recomendados;
3. O clínico geral Luiz Moura, do Rio de Janeiro, editou o DVD avulso: “Auto-hemoterapia: contribuição para a saúde”, que trás longo depoimento seu sobre inúmeros casos de sucesso em que aplicou a técnica, no qual DVD também mostra imagens da aplicação em uma paciente, que consiste em retirar sangue de uma veia e injetá-lo nos músculos dos braços ou nádegas, com o intuito de aumentar as defesas do organismo, que ele pratica há mais de 20 anos e que faz questão de divulgar pelo Brasil, sem ter publicado qualquer artigo científico, relatando essa sua experiência. Também não se conhece trabalho indexado sobre o assunto, de outros autores;
4. Segundo ele, o procedimento “estimula o aumento dos macrófagos, que fazem a limpeza de todo o organismo, das bactérias, vírus, das células cancerosas, eliminando, inclusive a fibrina, que é o sangue coagulado”. Faz referência a um único artigo publicado em março de 1940, na Revista Brasil Cirúrgico, da lavra do Dr. Jessé Teixeira, no qual diz que o autor relata suas experiências baseadas no tratamento de 150 casos ocorridos no Hospital de Pronto Socorro do Rio de Janeiro, submetidos a cirurgias diversas, afirmando que o índice de infecção pós operatória foi zero;
Parecer:
Com base no exposto acima, esta Câmara Técnica se pronuncia como segue:
– A auto-hemoterapia é um procedimento que necessita de estudos científicos bem conduzidos para que seja reconhecido e adotado como prática terapêutica usualmente aceita, em cumprimento da legislação sanitária do país. Atualmente não há evidências científicas de que tal terapêutica tenha efeito específico e esteja isenta de riscos. Até que surjam evidências clínicas absolutamente nítidas de seu benefício, os médicos devem adotar cautela, orientando seus pacientes para não se submeterem a tal procedimento aleatório, experimental, muitas vezes sem ter dado o seu próprio consentimento, pois assim não estarão se sujeitando a um risco pelo menos não completamente avaliado.
Além disso, conforme a Resolução CFM n°1.499/98 (publicada no D.O.U. de 03.09.98, p.101), é proibida, aos médicos, a utilização de práticas terapêuticas não reconhecidas pela comunidade científica, e que o reconhecimento científico quando ocorrer, ensejará Resolução do CFM oficializando sua prática pelos médicos no país, além do que é proibida qualquer vinculação de médicos a anúncios referente a tais métodos e práticas. Em conclusão, pode-se afirmar que até o presente momento desconhecemos qualquer estudo científico corretamente conduzido, publicado em revistas científicas indexadas, em nível nacional e/ou internacional, demonstrando o real mecanismo de ação desse procedimento conhecido como auto-hemoterapia e a racionalidade em seu uso, assim como se realmente existe algum benefício, e, se houver, qual seria, e quais os efeitos colaterais possíveis com o seu uso a curto, médio e longos prazos.
Em outras palavras, trata-se, até o momento, de um método sem qualquer comprovação científica tanto quanto ao mecanismo de ação, resultados, efeitos colaterais e complicações. Esta Câmara Técnica considera que a técnica é ainda considerada investigacional, reservada a pacientes selecionados e que somente poderá ser realizada em centros médicos credenciados, de acordo com as normas de pesquisa envolvendo seres humanos, estabelecidas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Dr. Divaldo de Almeida Sampaio
Coordenador da Câmara Técnica de Hematologia – CREMEPE
EMENTA DE PARECER: CÂMARA TÉCNICA DE HEMATOLOGIA
O PROCEDIMENTO AUTO-HEMOTERAPIA NECESSITA DE ESTUDOS CIENTÍFICOS BEM CONDUZIDOS PARA QUE SEJA RECONHECIDO E ADOTADO COMO PRÁTICA TERAPÊUTICA USUALMENTE ACEITA, EM CUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO SANITÁRIA DO PAÍS.
ATUALMENTE NÃO HÁ EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS DE QUE TAL TERAPIA TENHA EFEITO ESPECÍFICO E ESTEJA ISENTA DE RISCOS.
A RESOLUÇÃO C.F.M. 1499/98 PROIBE AOS MÉDICOS A UTILIZAÇÃO DE PRÁTICAS TERAPÊUTICAS NÃO RECONHECIDAS PELA COMUNIDADE CIENTÍFICA.
Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.