Escrito por Denize Ornelas* e Juliana Salles**
Um dos efeitos mais deletérios da terceirização dos trabalhadores em saúde é a tentativa de enfraquecimento da ampliação e manutenção de direitos trabalhistas, uma vez que se passa a contar com trabalhadores regidos por dois sistemas diferentes – administração pública direta e outros regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nos quais existem problemas e benefícios diferentes para profissionais que fazem a mesma atividade.
Esse cenário gera aos terceirizados situações de desigualdade em diversos campos, mas como mulheres e trabalhadoras, destacamos a distinção flagrante que profissionais da saúde vivem na volta ao trabalho após o nascimento dos filhos – enquanto as funcionárias da administração direta têm garantido o direito à licença maternidade de seis meses, as trabalhadoras contratadas por Organizações Sociais (OSs) e instituições filantrópicas devem voltar ao trabalho após apenas quatro meses.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS) recomendam o aleitamento materno exclusivo por seis meses e complementado até os dois anos ou mais, o que deveria ser garantido a todas as mulheres, independentemente da forma de contratação. Além disso, a amamentação é um processo que vai além da nutrição da criança, sendo a mais econômica e mais eficaz maneira de redução da morbimortalidade infantil. É importante apontar que a distinção entre “tipos de contrato versus tempo de licença“ transcende a forma de contratação e afeta diretamente os filhos dessas mulheres, que acabam sendo impossibilitadas de prover o recomendado, resultando em desmame precoce e na não continuidade do aleitamento materno.
Já que são médicas, enfermeiras, nutricionistas, técnicas de enfermagem, psicólogas, farmacêuticas e agentes comunitárias de saúde as responsáveis por incentivar que as mulheres amamentem os seis meses em caráter exclusivo, com essas profissionais, especificamente, a situação é ainda mais incoerente. Independentemente se foram contratadas pela administração direta ou por organizações parceiras, não faz sentido que essas mulheres amamentem só quatro meses, por vezes até menos, já que se preocupam em iniciar a adaptação do bebê a uma alternativa ao leite materno justamento por não encontrarem ambiente adequado dentro do seu local de trabalho para realizar a retirada do leite para conservação.
Outra barreira importante à continuidade do aleitamento materno exclusivo até aos seis meses é a não oferta de creches próximas ao local de trabalho, o que não permite que a mulher se ausente nos períodos de 30 minutos garantidos pela lei até aos seis meses para a amamentação. Apesar da recomendação formal da OMS e MS, não há cobrança dessas condições adequadas aos empregadores. Cabe às entidades estarem engajadas nessa luta em benefício da saúde dos seus filhos e do bem estar físico e mental das mulheres que trabalham.
Portanto, mesmo após a Semana Mundial de Amamentação 2015, voltada para o apoio à mulher trabalhadora que amamenta, urge que entidades busquem soluções para a correção dessa discriminação. É primordial exigir do poder público o comprometimento em viabilizar alternativas que pressionem as Organizações Sociais e parceiras a aderirem ao programa da Empresa Cidadã, que garante seis meses de licença maternidade, seja por editais de contrato de gestão ou por leis que definam que mulheres que trabalhem em órgãos públicos, independentemente da forma de contratação, sempre tenham garantido o direito à mesma licença maternidade definida para as funcionárias da administração pública direta.
* É secretária geral do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) e diretora de exercício profissional e mercado de trabalho da Sociedade Brasileira de Medicina de Família.
** É secretária de finanças do Simesp e dirigente da Federação de Seguridade Social de São Paulo.